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Deve a Cannabis Sativa L permanecer na Lista IV da Convenção Única de Entorpecentes, 1961, ONU?

ASPECTOS LEGAIS DA MACONHA

Autores:

Marco Antonio Brasil
Marcos Pacheco de Toledo Ferraz
João Carlos Dias
Miguel Chalub

A Associação Brasileira de Psiquiatria

Entidade sem fins lucrativos, a Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP- está completando quase 4 décadas de existência e congrega mais de 4.500 associados. 

Fundada em 13 de agosto de 1966 tem desde então como objetivos principais: integrar os psiquiatras brasileiros; aproximar e estimular o intercâmbio de informações com serviços acadêmicos, com instituições da área e de outras especialidades, com órgãos internacionais promovendo atualização científica e aprimoramento profissional; primar pela defesa do exercício da psiquiatria científica e ética e do apropriado atendimento aos pacientes.
Formada e apoiadas por seus departamentos, federadas e núcleos presentes em todo o país e em plena atividade, a ABP criou o Fórum das Federadas que propicia discussões freqüentes em âmbito regional e nacional.
No que tange às suas publicações lançou recentemente o Indicador profissional atualizado que apresenta um mapeamento completo do seu corpo de associados e edita regularmente a Revista Brasileira de Psiquiatria, agora indexada no Medline, e o Jornal Psiquiatria Hoje. Implantou o Programa de Educação Continuada - PEC-ABP - que em seu 1o ano de atividades contou com 1200 profissionais matriculados nos diversos cursos oferecidos. Estes produtos encontram-se disponíveis em sua home page que é regularmente atualizada e que ainda traz informações de interesse específico para a especialidade e sobre eventos e Congressos.
Realiza anualmente o maior encontro sobre Psiquiatria da América Latina e um dos maiores do mundo, o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que recebe mais de 3000 congressistas brasileiros e estrangeiros. Promove durante o congresso, como instituição oficial vinculada à Associação Médica Brasileira representativa de sua especialidade, a prova para obtenção do Título de Especialista em Psiquiatria nas áreas de atuação: Infância e Adolescência e Forense e constitui a comissão para propor a revalidação do título.
A ABP tem sido atuante junto a AMB e ao CFM no que se refere à defesa da prática profissional, como por exemplo, pela justa e ética remuneração dos serviços prestados pelos médicos tanto no serviço público quanto nos planos de saúde privados. Tem trabalhado no fortalecimento da integração com entidades internacionais como a Associação Mundial de Psiquiatria, a Associação Psiquiátrica da América Latina – APAL- e a Associação de Saúde Mental de Língua Portuguesa – ASMELP.

Cannabis Sativa

A cannabis sativa é uma das mais antigas plantas cultivadas pela espécie humana e parece ser originária da Ásia Central, do norte do Himalaia, sendo conhecida na China há aproximadamente 5000 anos.
Em sua composição há mais de 60 elementos conhecidos como canabinóides, sendo o principal o delta-9- tetrahidrocanabinol. A concentração de THC, que se trata de uma substância alucinógena, pode ser de 1 a 10% ou mais nos produtos feitos a partir da folha, enquanto naqueles preparados com a resina pode alcançar a concentração de 20 a 70%.

Mecanismos de ação

Os receptores canabinóides e seus ligantes endógenos constituem o sistema endocanabinóide.
Os canabinóides geram efeitos farmacológicos pela ativação de dois diferentes receptores que foram identificados: o CB-1 – receptor canabinóide, o qual é amplamente encontrado no sistema nervoso central e o CB-2 – receptor canabinóide que está localizado nos tecidos periféricos, principalmente no nível do sistema imunológico. THC e seus análogos mostram boa correlação entre sua afinidade por estes receptores e seus efeitos, indicando que estes receptores são alvos para estas substâncias.
Apesar das constantes pesquisas os mecanismos relacionados aos efeitos euforizantes e ao desenvolvimento da dependência ainda são desconhecidos. Existem evidências de que o delta-9-tetrahidrocanabinol aumenta a atividade dopaminérgica no sistema mesolímbico, projetando da área ventral tegmentar para o nucleus acumbens, a região crítica para o desenvolvimento da dependência.
Estudos têm mostrado que o delta-9-THC aumenta a concentração extracelular de dopamina no nucleus acumbens. Administrações do delta 09-THC ou de canabinóides sintéticos também aumentam a descarga de dopamina dentro da área ventral tegmentar.
A distribuição cerebral do CB1 nos sítios de ligação está associada aos efeitos dos canabinóides na memória, percepção, controle motor e efeitos anticonvulsivantes.

Efeitos no organismo:

Efeitos a curto prazo para doses baixas e moderadas (doses de 5mg de THC ou menos)

- O usuário, de maneira geral, experimenta uma sensação de bem estar, com a manifestação de alegria e euforia, diminuição da inibição e loquacidade. Muitos também experimentam relaxamento e sonolência. Distorções da percepção do tempo, imagem corporal e distância podem ocorrer. Os sentidos do tato, olfato e paladar assim como a consciência corporal e percepção podem ficar acentuadas. Gargalhadas espontâneas podem ocorrer. Existe um leve prejuízo da memória de curto prazo e concentração. Presença de leve desorientação e confusão. A Atenção pode ficar comprometida e a habilidade de processamento de informações também pode ficar prejudicada, assim como a habilidade para realizar tarefas motoras complexas. Equilíbrio e estabilidade podem sofrer prejuízo e os usuários tendem a experimentar redução da força muscular; alguns também experimentam efeitos adversos como reações de pânico e ansiedade, assim como leve paranóia.

Os efeitos a curto prazo com altas doses (10 a 20 mg de THC ou mais) incluem:

- Sinestesias, prejuízo do julgamento, lentificação das reações, comprometimento da realização de tarefas motoras simples, confusão entre passado, presente e futuro, alucinações, delírio e despersonalização, pensamentos confusos e desorganizados, paranóia, agitação e sentimento de pânico podem substituir a euforia inicial.

O uso a longo prazo pode estar associado ao desenvolvimento de significativos problemas psicológicos. O padrão de comportamento conhecido como síndrome amotivacional tem sido relatado como manifesto em alguns usuários crônicos de cannabis e/ou LSD. No entanto, dentre as conseqüências associadas ao uso crônico de cannabis se destacam: prejuízo da memória de curto prazo, concentração e pensamento abstrato.

Além dos efeitos sobre o SNC são verificados sintomas cardiovasculares, respiratórios, gastrintestinais e outros, dentre os quais:

- Aumento da freqüência cardíaca, queda da pressão arterial, aumento do fluxo sangüíneo periférico, irritação das mucosas do sistema respiratório, broncodilatação, aumento de apetite, secura de boca e garganta, discreta alteração da temperatura corporal, dor de cabeça, hiperemia de conjuntiva.

A existência de uma específica psicose cannábica muitas vezes apontada e discutida ainda não foi estabelecida, embora o uso de cannabis esteja associado a estados psicóticos de curta duração e aumento de recaída em pacientes com diagnóstico de esquizofrenia.

Tolerância e Dependência

Há evidências de que a tolerância aos efeitos da cannabis, canabinóides e análogos se desenvolve rapidamente. Com o uso regular pode também ser desenvolvida a dependência, com manifestação de craving, com presença de ansiedade ou sentimentos de pânico associados à falta de acesso a substância. Leves sintomas de abstinência também são relatados, apesar de ainda serem poucas as evidências, e incluem: alterações de sono, irritabilidade, perda de apetite e conseqüente perda de peso, tensão, ansiedade, sudorese, distúrbios gastrintestinais; calafrios, aumento da temperatura corporal e tremores.

A síndrome de dependência é uma entidade clínica descrita na 10a revisão da classificação mundial de doenças da Organização Mundial de Saúde como um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem depois de repetido consumo de uma substância psicoativa, associado ao forte desejo pelo uso da droga; à dificuldade de controlar o consumo; à persistência de utilização apesar das suas conseqüências danosas; a prioridade ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações; a um aumento da tolerância e determinadas vezes, a um estado de abstinência.

O controle internacional da cannabis sativa surgiu na 2a conferência do ópio da Liga das Nações de 1924 em Genebra, que foi realizada com o objetivo de aumentar o controle internacional do ópio e da cocaína, apesar de não estar na pauta de discussão. Por iniciativa do Delegado Egípcio o hashishe, referida como Indian Hemp (cânhamo indiano) nos documentos formais, foi descrita como tão ou mais danosa do que o ópio. O representante da Grécia colocou o problema do hashishe no mesmo patamar de gravidade do ópio e o do Brasil a descreve como mais perigosa do que o ópio.
Apesar de algumas objeções das colônias européias referindo que o uso da cannabis não era somente uma fonte de prazer, mas estava em determinados casos associado a significados religiosos e culturais, não houve objeções quanto ao exagero dos perigos expostos.
Chama atenção ainda que não tenha sido levado em conta um relatório de 7 volumes, publicado em 1894, que fazia distinções entre os efeitos físicos, mentais e morais da cannabis, bem como do uso moderado e excessivo. O referido relatório dissociava o uso moderado de danos em quaisquer das três áreas mencionadas, ao contrário do uso excessivo que além de propiciar maior suscetibilidade à doença, particularmente a bronquite, também “intensifica instabilidade mental, tende a enfraquecer a mente e pode levar a insanidade”. Desta forma, esta conferência internacional a despeito da inexistência de evidências consistentes concluiu que a cannabis era tão perigosa quanto o ópio e deveria ser tratada de acordo com leis internacionais.
As Nações Unidas que sucederam a Liga das Nações, possui atualmente 3 convenções sobre drogas: a convenção única de 1961, emendada pelo protocolo de 1962; a convenção sobre substâncias psicotrópicas de 1971 e a convenção contra tráfico ilícito de drogas narcóticas e substâncias psicotrópicas de 1988.
As convenções internacionais querem sejam da Liga das Nações quer sejam das Nações Unidas admitem medidas determinadas por injunções políticas e/ ou fenômenos sociais e culturais contemporâneos à sua realização. Assim, a despeito da análise das 3 convenções indicarem um caráter proibicionista, a de 1988 refere-se basicamente à matéria da lei criminal como delitos e sanções, jurisdição, extradição, confiscos originados de crime, enquanto as convenções de 1961 e 1971 em somente um artigo fazem menção à incriminação. Uma possível explicação para tal fato decorre da posição norte americana de guerra contra as drogas vigente nas décadas de 70 e 80.

Conclusão

Considerando ser nossa Associação uma entidade que congrega psiquiatras, cremos que o cerne da questão encontra-se na vertente legalização/ descriminação.
A descriminação difere da despenalização na medida em que especifica que o uso da substância, por si só, não constitui ofensa criminal. Desta maneira, a demanda é tratada como um problema puramente social ou médico e apenas o tráfico de drogas constitui uma ofensa criminal.
Tal visão contempla a necessidade de que a sociedade organizada e as associações profissionais como a ABP assumam papel de relevo no trato desta questão. Neste caso, nossa participação no atual Simpósio e o firme propósito de aprimoramento do trabalho do psiquiatra através das variadas ações desenvolvidas, como por exemplo, o Programa de Educação Continuada contribuem para uma atenção adequada àqueles indivíduos que usam a substância de modo indevido.
O espectro dos transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substâncias psicoativas, codificados na 10º Revisão da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde (CID10), contempla os vários comprometimentos determinados pelo uso indevido da cannabis, a exemplo do que faz em relação a outras substâncias, inclusive consideradas lícitas, como é o caso do álcool.
Finalmente considerando ainda que a ciência ainda não dispõe de indicadores preditivos de desenvolvimento de dependência em relação aos indivíduos expostos às diversas substâncias psicoativas, ressaltamos a necessidade de capacitação das equipes que lidam com os cuidados básicos de saúde no sentido de abordarem a questão o mais precocemente possível, sem preconceitos e com informações baseadas em evidências científicas.
Ante ao exposto não encontramos evidências para considerar a maconha como droga com propriedades particularmente perigosas. As variantes estereoquímicas do THC possuem menor potencial de dependência e não se enquadram nos critérios necessários à inclusão na Lista IV da Convenção Única de 1961 das Nações Unidas.

Referências bibliográficas:

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