Antropólogo: liberação da maconha no Uruguai pode ser exemplo ao Brasil
Homem fuma maconha do lado de fora do Congresso uruguaio, onde o projeto foi votado na última quarta-feira. Foto: AP
Entretanto, o deputado Osmar Terra, autor da Lei Antidrogas, acredita que iniciativa uruguaia é um retrocesso no combate à dependência.
O projeto de lei que propõe a legalização da produção e do consumo de maconha no Uruguai tem potencial para inspirar uma medida semelhante no Brasil. A opinião é do antropólogo Maurício Fiore, membro da Rede Pense Livre, para quem o País já tem "todas as condições" de propor um modelo de regulamentação do uso da droga. "O Brasil teria todas as condições de já propor um modelo regulamentado de produção e comércio. O problema são as barreiras políticas a isso, que são muito grandes no Brasil", afirmou Fiore, em entrevista ao Terra.
Na última quarta-feira, os deputados uruguaios aprovaram o projeto que tem como objetivo tirar mercado dos cartéis do narcotráfico, repassando o controle de toda a cadeia produtiva ao Estado. A proposta ainda precisa ser votada pelo Senado, onde o partido do presidente José Mujica conta com ampla maioria.
Pelo texto, o Estado uruguaio assumiria o controle e a regulação das atividades de importação, produção, compra, armazenamento, comercialização e distribuição da maconha e derivados. Isso seria conduzido por uma agência estatal, responsável por emitir licenças e comandar os elos da cadeia. Apenas residentes no Uruguai, maiores de 18 anos, poderiam consumir a droga, desde que façam um cadastro em que se declaram consumidores recreativos de maconha, com posse limitada a 40 gramas de cannabis.
"É algo inédito desde que esse sistema mundial proibicionista foi montado, há um século. Se realmente for confirmado - e deve ser, porque no Senado o partido do governo tem ampla maioria -, é a primeira vez que um país que é signatário das três convenções de psicotrópicos da ONU tira por conta própria uma substância banida e coloca na legalidade, e regulariza o comércio", destaca Fiore. Segundo o antropólogo, uma vez aprovada, a regulamentação da maconha será um experimento importante para análise mundial. "Do ponto de vista de política pública sobre drogas, vai ser um experimento muito interessante. A gente vai ter realmente pela primeira vez todo o ciclo de produção legalizado. Porque o que se tinha na Holanda não era isso. Na Holanda você tinha uma tolerância no varejo, mas você não permitia a produção. Agora você tem todo o circuito legalizado, e a venda com alguma regulação", argumenta.
Para o membro da Rede Pense Livre, a proximidade com o Uruguai pode ter um grande impacto na mudança de posicionamento da política antidrogas do Brasil. "A legalização do Uruguai é um passo enorme para isso, até porque o Uruguai faz parte do Mercosul. A maconha é uma droga interessante para experimentar uma queda do proibicionismo, porque ela tem essa característica menos arriscada no comércio. E o seu consumo, ainda que traga alguns riscos, não se compara ao de outras drogas", argumenta.