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Se até hoje a ótica foi a da punição, agora é hora de pensar no usuário e em sua inserção social, diz representante da ONU

Maconha medicinalSe até hoje a ótica foi a da punição, agora é hora de pensar no usuário e em sua inserção social. É o que diz o representante do escritório da ONU sobre drogas e crimes para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, Rafael Franzini Batlle, que participou dos debates sobre o rascunho da resolução a ser assinada por presidentes na próxima Assembleia Geral das Nações Unidas, que acontece de 19 a 21 deste mês, em Nova York. Será a primeira sessão sobre drogas na assembleia em 18 anos. Na ocasião, a ONU vai atualizar sua postura em relação ao uso de entorpecentes — hoje, a orientação é reprimir.

Franzini Batlle acredita que a reunião trará atenção especial à América Latina, que vive experiências inovadoras, como a reinserção social de frequentadores das cracolândias, em São Paulo. Ele fala em adotar uma visão mais humanitária em relação ao usuário de drogas e em restringir a repressão aos chefes do tráfico. Mas deixa claro que a legalização da maconha, como ocorreu no Uruguai, não será contemplada.

O que podemos esperar da reunião da ONU em Nova York?

Essa conferência é a fase final de um longo processo, que culminou com uma reunião há algumas semanas em Viena (Áustria), onde aprovamos um rascunho para o documento que será analisado em Nova York. Este documento tem avanços e uma especial atenção com a América Latina, pois o continente tem peculiaridades: é onde está o Uruguai, único país do mundo que liberou a venda de maconha para fins não-científicos ou medicinais, além da experiência de diversos estados americanos.

Que novos consensos estão no documento?

Um dos pontos-chave para as Américas é a questão da prevenção do HIV/Aids entre usuários de drogas. Isso sempre foi visto como uma questão a ser enfrentada para os usuários de drogas injetáveis. Mas não há uma incidência tão forte de drogas injetáveis na América Latina, e mesmo assim a prevalência do HIV no consumidor de outras drogas é muito alta. Uma pesquisa da Fiocruz com usuários de crack no Brasil e um levantamento no Uruguai mostram isso, indicando que os usuários de drogas em geral têm comportamentos sexuais de risco. O texto da resolução, antes focado em prevenção do HIV entre usuários de drogas injetáveis, agora vai usar a linguagem de prevenção da Aids entre usuários de drogas em geral. Parece um detalhe, mas vai ampliar a questão além das seringas, permitindo uma nova abordagem.

Há uma abordagem mais social do problema, então?

Apesar do documento não ter chegado a um consenso sobre o que é redução de danos, ampliou-se sua abrangência, que antes era apenas sobre aspectos da saúde, para tratar de questões de saúde e sociais. Isso permitirá novas ações para quem vive em cracolândias e nas periferias de grandes cidades. Antes enfatizávamos muito a punição, agora há espaço para integração social. Vemos experiências em diversos países, de Norte a Sul, e esse debate é importante para criar novas políticas públicas antidrogas. Quero dizer, tire este termo, o termo antidrogas não deve ser usado, vamos falar de novas políticas sobre drogas.

O que você acha de ações como as do governo de São Paulo, de apoio a usuários de crack para tirá-los da situação de rua?

Quando falamos de São Paulo falamos do programa “Braços Abertos” (projeto que dá hospedagem, alimentação, salário e atividade aos usuários de crack), que tem uma abordagem muito inovadora. Acho que tem uma inserção social profunda e uma visão holística. Quando falamos de redução de danos, estamos falando de ações mais tradicionais.

São Paulo pode ser um exemplo para a América Latina?

Isso depende de cada país, e é algo bom desta convenção: há flexibilidade para os países encontrarem suas soluções. O problema das drogas não é o mesmo em Nova York, em São Paulo, no Rio ou no Ceará. Essa flexibilidade é importante para que cada região enfrente o problema a sua maneira, mas dentro do marco universal das convenções e da resolução que a ONU deve aprovar em Nova York.

Este é o primeiro grande documento da ONU desde as experiências de legalização do Uruguai, do Colorado e de outros estados americanos. Como estes casos vão influenciar o debate?

Não podemos confundir legalização com descriminalização: não são sinônimos. A descriminalização tem a ver com a não punição de um indivíduo encontrado com uma substância para consumo pessoal; a legalização passa pela compra da maconha para fins que não sejam o medicinal ou científico, embora cada experiência tenha suas características. No Uruguai há o monopólio estatal da cannabis, e comprar maconha de outros continua sendo ilegal. Como isso vai influenciar a resolução de Nova York? A resolução que será tratada não contempla a legalização.

Como ficam então as posições do Uruguai e dos Estados Unidos nessa reunião?

O caso americano é distinto por suas características. A legalização ocorreu em alguns estados, mas a posição da reunião é a do governo federal. Mas os dois países atuaram na resolução e podem assinar o documento, graças à flexibilidade sobre o assunto.

Haverá algum ponto específico sobre violência, diante do que vemos em locais como o Rio de Janeiro, Colômbia e México?

No contexto, sim, pois estamos falando desta nova visão de inclusão social e temos que tratar de violência. Quando falamos sobre como tratar do crime organizado, de corrupção e de lavagem de dinheiro relacionada às drogas, vemos que é preciso endurecer a Justiça e a fazer com que a aplicação da lei tenha o enfoque de enfrentar os chefes do tráfico, das organizações criminosas, o “capo”, quem toma as decisões. Talvez devamos ter uma abordagem diferente para quem está na ponta do tráfico, a parte mais frágil. Em muitos casos eles devem ser objetos de programa de inserção social e de substituição de penas se cometerem crimes leves, como vemos que tem sido defendido nos Estados Unidos.

FONTE: http://oglobo.globo.com/sociedade/enfatizavamos-punicao-agora-ha-espaco-para-integracao-diz-representante-da-onu-sobre-drogas-19056381

 

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