Representantes da sociedade civil ouvidos pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), nesta quinta-feira (31), defenderam normas legais com visão mais liberalizante sobre as drogas. Como ajuste a projeto já em tramitação (PLC 37/2013), foram propostos um aumento no limite de porte de droga a ser usado como critério para diferenciar usuário de traficante e a regulamentação do cultivo e uso da maconha para fins medicinais.
Houve ainda quem defendesse uma lei nova só para tratar da regulamentação total do cultivo da cannabis (nome científico para diferentes variedades da maconha), inclusive para uso pessoal recreativo. Essa foi a proposta do presidente da Associação Multidisciplinar de Estudos sobre Maconha Medicinal (AMEMM), Sérgio Vidal.
— Se um adulto planta um vegetal e consome numa escala privada, não está atingindo nenhuma outra pessoa. Então, realmente, não consigo entender como o Estado se vê no direito de interferir e considerar todos os usuários de drogas como pessoas sem direito de escolha, sem livre arbítrio — criticou Vidal.
A comissão já havia realizado na quarta-feira (30) uma primeira audiência para debater o PLC 37/2013, de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que altera a legislação sobre drogas. O propositor foi o senador Lasier Martins (PDT-RS), relator da matéria, que mais uma vez dirigiu os trabalhos. O texto já passou pela Comissão de Justiça e Cidadania (CCJ) e ainda deve ser analisado por mais três colegiados – Assuntos Econômicos (CAE), Assuntos Sociais (CAS) e Direitos Humanos (CDH).
Para os expositores das entidades civis, a legislação vigente é conservadora e punitiva. Mesmo defendendo sugestões para aperfeiçoar o PLC 37/2013, ainda assim os convidados avaliaram que permanecerá um “viés” proibitivo e de coerção criminal sobre as condutas dos usuários. Foi o que disse o advogado Emílio Figueiredo, consultor jurídico do Growroom.net, que presta auxilio jurídico a cultivadores domésticos e usuários de cannabis acusados de tráfico.
— Esse PLC é mais do mesmo, é o ‘probicionismo’ que não traz qualquer novidade no assunto drogas, pois continua a criminalização do usuário, continua a punição exacerbada, continua a confusão entre usuário e traficante e continua a ausência de uma regulamentação segura de acesso às drogas — afirmou Figueiredo.
O substitutivo aprovado pela CCJ incluiu a previsão de um limite de porte de droga (não apenas maconha) para uso pessoal equivalente ao consumo de até cinco dias para, a ser calculado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que a pessoa flagrada responda como usuário, e não por tráfico.
Mauro Leno, sócio-diretor da Revista SemSemente, defende que a referência seja uma quantidade para dez dias de consumo, como havia sugerido o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em debate na CCJ. FHC participa de comitê internacional de notáveis que vem defendendo políticas mais flexíveis sobre drogas, considerando o insucesso da “guerra ao tráfico”.
Para Leno, uma regulamentação muito restritiva por parte da Anvisa, com base no parâmetro de cinco dias, pode resultar em quantidade muito pequena da substância. Nesse caso, avalia, a tendência seria aumentar a criminalização de simples usuários pegos com um pouco mais de droga.
Pela legislação, consumir drogas é crime, mas a pena se limita a medidas socioeducativas, sem prisão. Ainda assim, muitos usuários vão para a cadeia, como alegaram os convidados, seja por erro de aplicação da legislação seja por distorções que tendem a penalizar mais severamente pessoas pobres e negras.
Ainda segundo Leno, se adotado um limite de porte muito baixo, para se manter dentro da lei o usuário também será forçado a se dirigir mais frequentemente ao narcotraficante para se abastecer, o que aumentará sua exposição a riscos.
— O mais danoso seria a microcapilizarização do sistema de tráfico, com a promoção do aumento dos que estão na escala mais baixa na hierarquia do narcotráftico, pois seria necessário maior número de distribuidores para essa quantidade pequena — avalia.
Ainda segundo Leno, a mera regulamentação da importação de medicamentos com substâncias extraídas da Cannabis — como o canabidiol, usado em casos raros de epilepsia — não resolve o problema de quem precisa desses remédios. Segundo ele, importar representa um alto custo para as famílias e também para o Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, defende condições legais para o cultivo da matéria-prima e a fabricação de similares aqui mesmo no Brasil.
— Por isso, o projeto deve manter a importação, mas também atribuir à União poderes para regulamentar o plantio, o cultivo, a colheita e também o comércio da cannabis para fins medicinais.
Segundo o advogado Emílio Figueiredo, a legislação vigente já prevê a possibilidade de cultivo e produção para fins medicinais e científicos, mas a Anvisa nunca agiu para propor uma regulamentação. Como disse, a agência se limitou a regularizar as importações, inclusive de produtos que “desconhece”, enquanto as portas continuam fechadas para a produção e a pesquisa nacional.
— Se não mudar a política, vamos ficar a mercê das importações, pagando royalties ao exterior — comentou.
Representantes de pastas ministeriais também participaram do debate, um deles Valencius Wurch Duarte Filho, coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde. Ele falou das estratégias de prevenção e cuidados para os usuários de drogas, por meio de programas e serviços que funcionam em parceria com estados e municípios. Citou uma rede de 2.382 Centros de Atendimento Psicosocial (CAPS), que cobrem hoje cerca de 1.600 municípios.
Do total de óbitos no país causados por substâncias que atuam no sistema nervoso, 97% são provocados pelo álcool, segundos dados oficiais citados por Duarte Filho. Ele também enfatizou que dados de 2011 mostravam que 70% dos adolescentes já havia experimentaram álcool e 27% faziam uso regular de produtos alcoólicos.
Pelo Ministério da Educação (MEC), Leandro da Costa Fialho, coordenador-geral de Educação Integral, enfatizou a prevenção é o foco do trabalho da pasta. Salientou que existe o cuidado com abordagem sem “preconceitos ou falácias”, o que pode ser contraproducente diante de jovens. Reconheceu ainda que políticas de prevenção precisam ser articuladas como as áreas da saúde e social, vinculando também as famílias dos jovens e crianças.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)