Policiais só perceberam a ação meses depois, quando os pés já estavam grandes;
conversamos com um representante do grupo.
Em uma cidade universitária no interior da Alemanha, um grupo de jovens interessados em defender a legalização da maconha no país plantou quilos de sementes da planta meses atrás. Em junho, as autoridades de Göttingen se deram conta da ação, já que centenas de pequenos pés da espécie Cannabis sativa começaram a florescer em diversos espaços de vegetação da cidade. O grupo, chamado Einige Autonome Blumenkinder (blumenkinders são crianças que espalham flores), recebeu apoio do coletivo de base do Partido Verde e do Grüne Jugend (Juventude Verde), que também é contra as políticas restritivas a drogas na Europa.
A polícia avisou na época que investigaria o caso e tomaria as medidas necessárias em cumprimento da lei de entorpecentes em vigor. As plantas, por ordem do governo de Göttingen, deveriam ser trituradas e usadas para compostagem.
Conversamos com um porta-voz da Juventude Verde alemã (que não quis se identificar), que comentou o caso, explicou a discussão sobre a legalização de drogas no país e defendeu a adoção de políticas menos rígidos no mundo todo, assim como fez Holanda, a República Checa, os Estados Unidos e o Uruguai. Confira:
Qual a relação entre o Einige Autonome Blumenkinder e a Juventude Verde?
O Einige Autonome Blumenkinder (ou “A Few Autonomous Flower Children”) e o Grüne Jugend Göttingen (Juventude Verde de Göttingen) são dois grupos diferentes, localizados na Baixa Saxônia, na Alemanha. Gente de ambos os grupos se conheceram e assim a Juventude Verde decidiu apoiar e promover o projeto de jardinagem de guerrilha do Autonomous Flower Children. Nós somos a organização jovem do Partido Verde, e assim é desde os anos 80. O Einige Autonome Blumenkinder, do que sabemos, é um título para um grupo pouco organizado de pessoas amigas.
O objetivo das ações era o de conscientizar o público local para as questões que envolvem a planta, e ao mesmo tempo para a política de drogas repressiva da Alemanha. Uma coisa é ouvir discussões sobre a legalização da maconha, outra bem diferente é cruzar com a inofensiva embora proibida planta no caminho para o trabalho. A intenção, por fim, é estimular o debate público. O concurso de fotografia criado para apoiar a campanha deles recebeu respostas positivas de toda a Alemanha, além de pessoas do Reino Unido, Rússia, Israel, etc. Não temos ideia se continuaremos a ver ações assim, mas as pessoas têm se entusiasmado bastante e certamente esperamos que muitos vão seguir o exemplo do Flower Children.
Vocês temem algum tipo de punição legal pelo acontecido?
Francamente, não. Nós não somos responsáveis diretos pelas ações. Estamos apoiando o evento com fins de publicidade e conscientização. A polícia pode até ser pressionada a encontrar os reais responsáveis, mas será muito difícil encontrá-los, a não ser que sejam pegos no flagra. E mesmo quem queira continuar o plantio tem pouco a temer, e confessamos apreciar o aspecto cômico da situação, já que não acreditamos que a polícia local tenha estrutura o suficiente para monitorar os canteiros da cidade 24 horas por dia até a próxima primavera.
Que países vocês tomam como exemplo de boas práticas em relação a drogas? Temos visto bons exemplos de leis mais progressistas sobre drogas. A mais proeminente é a Holanda, onde a maconha pode ser comprada nos infames cafés (coffee shops) sem medo de represálias. Outro bom exemplo é a República Checa, onde a posse da marijuana em pequenas quantidades gera multa, mas nenhuma consequência penal. Esses progressos criaram um fluxo turístico grande de alemães para esses países.
O que sabem sobre o Brasil neste aspecto?
Não podemos fazer nenhum comentário relacionado ao Brasil. O pouco que sabemos é que vocês tem um clima ótimo, com várias horas de sol por dia e possuem um solo bem fértil para plantio. Mas não temos informações sobre as leis sobre entorpecentes em seu país.
Acreditam que será possível ver maconha crescendo livremente nas cidades um dia?
O clima urbano está longe de ser o ideal para o desenvolvimento das plantas em geral. A nossa cidade é cercada por grandes campos e bosques, o que a torna mais adequada do que grandes metrópoles. Mas é claro que seria ótimo se um dia isso mudasse e as cidades se voltassem a ser mais verdes. Lutamos pela possibilidade de legalmente se plantar maconha onde quer que seja.
O que aconteceria se as drogas fossem legalizadas internacionalmente?
Em geral, apoiamos a legalização internacional de drogas e somos a favor de uma política de drogas mais progressiva. Em vez de reprimirem os consumidores de drogas, o foco deveria ser na prevenção da dependência e do vício. Mas reconhecemos que este é um assunto delicado. Por isso, é ainda mais importante se gerar uma discussão pública sobre as políticas de drogas. Drogas leves, que em muitos casos têm forte presença na sociedade e tradições de longa data, provavelmente poderiam ser legalizadas mais facilmente e sem grandes consequências. Isso depende da configuração social, é claro.
Qual foi o propósito das ações? Já estão sabendo de gente em outros países interessados em fazer o mesmo?
Dependendo da forma de legalização, isso poderia representar uma grande vantagem para os consumidores e para o Estado, que poderia lucrar a partir dos impostos sobre as drogas. A distribuição de drogas em ambientes controlados, como em cafés, como na Holanda, seria preferível do que o consumo escondido e ilegal como acontece nos dias de hoje, principalmente porque, assim, tirariam das mãos de grupos criminosos a sua principal fonte de renda.
O que diriam para convencer as autoridades e a população de um país a legalizar as drogas?
Isso é algo que só vai mudar com o tempo. Reduzir os riscos legais sem pressa, passo a passo (punindo o comércio, mas não o consumo; permitindo a posse de pequenas quantidades, etc), e ver se a cultura local se desenvolve em torno do consumo da droga em específico. Então ver se as pessoas conseguem desenvolver uma atitude saudável e responsável perante a liberdade. Marcos legais nunca podem ditar, mas apenas refletir os hábitos sociais. Em muitos lugares, o consumo de maconha ultrapassou o nosso quadro legal, e por isso estamos pedindo para o atualizar.
O melhor e, para nós, o mais fácil modo é criar uma consciência pública sobre o tema maconha. A maioria das pessoas contra a legalização simplesmente não estão bem informados. Além disso, a "demonização" da maconha na nossa sociedade cria um receio desnecessário sobre ela. Fazer as pessoas repensarem seus preconceitos poderia levar a uma mudança nas leis oficiais.